Rock in Rio: A chuva não dissolveu a homenagem dos Xutos nem a festa dos The Killers
Sexta-feira chuvosa, a que marcou o terceiro e penúltimo dia do Rock in Rio Lisboa 2018. E mesmo que alguns alertas meteorológicos tenham antecipado que o cenário soalheiro do fim de semana anterior não iria repetir-se, o que se viu fica entre os maiores dilúvios de sempre do festival na capital portuguesa. Mas a descarga não só não durou assim tanto, apesar de ter dominado o final da tarde, como não pareceu ter demovido uma parte muito expressiva dos espectadores – muitos deles obrigados a ter impermeáveis adquiridos na hora como acessório indispensável. A música falou sempre mais alto, e da abertura com James e o final com os Chemical Brothers, poucos terão dado o dia por perdido, tendo em conta a agitação no recinto.
The Chemical Brothers: dançando já sem chuva
Especialistas em raves em céu aberto, Ed Simons e Tom Rowlands foram os responsáveis por levar música eletrónica ao Palco Mundo, ou não fossem uma das referências do género desde os anos 1990.
Num espectáculo que visualmente estará entre os mais ambiciosos desta edição do Rock in Rio – com direito a luzes strobe e imagens rodopiantes, escolhidas a dedo para acompanhar o ritmo de cada canção -, a dupla britânica disparou temas revistos e remisturados que tanto se centraram na fase inicial da sua carreira, assente no big beat, como apostaram nos momentos mais influenciados pelo hip-hop ou funk, dos tempos mais recentes – caso de “Go” ou “Do It Again”, a abrir.
Pelo meio não faltaram as particularmente infecciosas (e populares) “Hey Boy Hey Girl”, “Galvanize” ou “Saturate” (temperada com balões XL) nem um cruzamento de “Temptation”, dos New Order, com “Swoon”, no segmento mais mais etéreo e desacelerado da atuação. Depois da emoção da tarde, a descompressão do final da noite.
The Killers: pop de corpo e alma
Foi com o balanço dançável de “The Man”, uma das suas canções mais recentes, que os The Killers entraram em palco para aquele que seria concerto mais aguardado do dia. E que foi protagonizado pelo homem da noite, Brandon Flowers, incansável na forma como foi puxando pelo público enquanto o grupo de Las Vegas revisitou os seus cinco álbuns.
“Somebody Told Me” e “Spaceman”, também no arranque, despacharam logo duas das canções mais populares, com a primeira a recuar até aos primeiros dias, os do álbum de estreia “Hot Fuss” (2004), que colocou os The Killers entre as bandas a acompanhar numa geração fortemente influenciada por alguma new wave.
Os anos 1980 nunca se afastaram muito, de resto, de um alinhamento quase sempre em modo épico, tanto nas guitarras como nos teclados, e um recinto bem composto foi acolhendo essa grandiosidade com uma euforia em crescendo.
“Bem vindos ao nosso maravilhoso concerto”, cumprimentou Flowers, assim mesmo, em português, numa das inúmeras ocasiões em que distribuiu sorrisos de orelha a orelha pelo público, aproveitando ainda para agradecer o esforço dos fãs em terem aguentado a chuva.
Apesar dos neons de cowboys e cowgirls dós primeiros minutos, a imagem nunca se sobrepôs à música no resto do espetáculo, dominado por tons tendencialmente azulados e púrpura. Flowers foi claramente a figura dominante num palco que, além da banda, tinha músicos extra e um coro feminino com três elementos, todos a revelarem a devida entrega a um pop-rock de emoções exacerbadas, refrões sonantes e letras cantadas a muitas vozes. Destas últimas, “I’ve got a soul but I’m not a soldier”, de “All These Things That I’ve Done”, antes do encore, destacou-se como ponto especialmente alto, com milhares a repetirem-na em uníssono.
“Human”, com intromissão robótica, e a tão ou mais orelhuda “Mr. Brightside”, trunfos guardados para o final, foram outros casos de ovação generalizada, entre braços no ar, telemóveis em riste e alguns abraços de grupo.
Xutos & Pontapés: uma casa (e uma homenagem) portuguesa, com certeza
A “grande homenagem” a Zé Pedro que Marcelo Rebelo de Sousa tinha prometido quando o guitarrista dos Xutos & Pontapés morreu aconteceu esta sexta-feira no Rock in Rio. Durante o tema “Casinha”, vários convidados juntaram-se à banda em palco, entre eles Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa, Ferro Rodrigues, Catarina Martins e Francisco Louçã.
No final do concerto dos Xutos & Pontapés no Palco Mundo, os convidados, que tinham estado a assistir desde o início em cadeiras preparadas para o efeito na régie, subiram ao palco para se juntar ao coro e cantar “Casinha”, o tema que fechou o espetáculo (e que habitualmente encerra os concertos dos Xutos).
“Quero agradecer ao Rock in Rio por nos ter emprestado este palco para esta homenagem. Quero agradecer a uma pessoa que foi cúmplice durante alguns meses desta homenagem, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa”, disse Tim, antes de chamar os convidados ao palco.
Durante “Para Ti, Maria”, a penúltima canção do concerto, o ecrã gigante do palco também passou atrás da banda imagens de Zé Pedro numa das atuações no Estádio do Restelo, em 1988. Um momento que Tim disse ser uma oportunidade para “voltar a tocar com o Zé Pedro uma canção inteira”. E um “momento solene, impossível de repetir”, assinalou ainda.
Antes, Zé Pedro foi recordado em fotos ao lado da banda em “Mar de Outono”, um novo tema, e sobretudo em “Não Sou o Único”, que como Tim realçou foi uma canção escrita por ele – e por isso acompanhada de imagens de várias fases da sua vida, incluindo da infância.
“À Minha Maneira”, “Circo de Feras”, “Remar Remar” e a muito apropriada “Chuva Dissolvente” foram outros dos clássicos entoados a milhares de vozes, no oitavo concerto dos Xutos no Rock in Rio mas diferente de qualquer dos anteriores – e seguramente dos que provavelmente se seguirão.
James: nostalgia com um pé no presente
“All he captures is endless rain, endless rain”, cantava Tim Booth, visivelmente emocionado, no final de “Sometimes” e também já perto do fim do concerto dos James, que abriu o Palco Mundo esta sexta-feira. Mas se ao início da tarde a chuva já tinha trocado as voltas aos primeiros espectadores a chegar à Cidade do Rock, por esta altura ninguém pareceu importar-se muito com a descarga (ligeira, felizmente longe de interminável) que condimentou por alguns minutos o concerto dos britânicos.
A cena marcou um dos momentos mais emotivos deste regresso da banda a Portugal, com alguns fãs das primeiras filas em lágrimas perante o reencontro com clássicos dos anos 1990 – como essa canção ou “Born of Frustration”. Mas no público também se encontravam espectadores que talvez ainda nem tivessem nascido nessa década e nem por isso ficaram indiferentes ao empenho cuja ligação próxima com os portugueses já dura há muito (a t-shirt da seleção nacional de um dos elementos, com um 7 à frente e James escrito atrás, também terá ajudado).
Ainda assim, apesar desses temas praticamente obrigatórios no alinhamento, lista que incluiu também “Sit Down”, “Getting Away With It (All Messed Up)” ou “Laid” (que a banda teve de recomeçar, por insistência de Booth, devido a problemas de som), a atuação também incluiu canções do recente “Living in Extraordinary Times”, disco editado este ano.
Houve, por isso, espaço para a nostalgia mas também para ecos do presente, e nem sempre muito animadores, uma vez que o novo álbum dos James é também dos mais políticos do seu percurso – conforme a banda explicou em entrevista ao SAPO Mag. E nesse aspeto o “Fuck Brexit” que podia ler-se na t-shirt de um dos músicos, revelada já no final do concerto, foi elucidativo de uma obra que ainda aceita sinais do seu tempo e tem algo a dizer sobre o que está à sua volta. “There’s only one human race. Many faces. Everyone belongs here”, reforçou Tim Booth antes de sair de palco, num momento quase solene depois da festa de episódios anteriores, que passou pela sua dança frenética (sozinho ou com a igualmente efusiva pandeiretista, em “Come Home”, ao ritmo de teclados e percussão) ou pelos contactos regulares e enérgicos com os fãs, de apertos de mão ao crowdsurfing. Uma relação com o público a manter, portanto, faça chuva ou faça sol.