Rock in Rio: A Malta do Bairro

29 maio 2014

Cerca de duas centenas de pessoas que trabalham no Rock in Rio, em Lisboa, atravessam a rua para ir almoçar a casa, metem férias para participar no festival e ficam com saudades quando as portas fecham. São os trabalhadores recrutados no Bairro da Bela Vista, um bairro social em frente do parque onde se realiza o evento e que, segundo as contas redondas de alguns deles, chegam a ser 200, no transporte e montagem, no controle de entradas e “no que for preciso”. Manuel Costa, 60 anos, é um exemplo. É taxista mas sempre que há o Rock in Rio, desde a primeira edição, mete um mês de férias e lá está no recinto, todos os dias, a fazer o que for preciso, como carregar e montar os separadores para as entradas do recinto. Com filhos e netos o dinheiro que ganha ali é uma ajuda mas nem é tanto disso que fala à Agência Lusa, antes das experiências, das amizades e das pessoas que se conhecem. A organização do festival, diz, tem feito o possível para dar trabalho a pessoas do bairro, por muitos tido como conflituoso e até perigoso (como admite, embora negue que tal seja verdade). “Carregadores e assim é quase tudo do bairro”, diz, enaltecendo outro aspeto: é que “há rapazes que já trabalham ali há uns três meses”, o que é bom para quem não tem emprego. Fábio Soares, 25 anos, é um deles. Já foi lavador de vidros mas estava desempregado até ser chamado para o Rock in Rio. “É uma ajuda, uma boa ajuda. E depois disto vou ver se consigo mais alguma coisa, isto abre outras oportunidades e vamos conhecendo outras pessoas”, diz à Lusa, salientando que, depois de o espaço fechar portas, ainda ficará por lá a ajudar nas desmontagens. Fábio, como o Manuel, é um entusiasta da iniciativa. Falam os dois das melhorias nas ruas, dos parques limpos, da construção de uma ciclovia, de um parque infantil, uma ponte pedonal, uma pista de skate, tudo construído com o impulso do Rock in Rio. O mesmo que vai construir um espaço de artes e tempos livres no bairro, acrescenta Luís Passuco, 42 anos. Também do bairro mas mais controlado no entusiasmo, Luís já trabalha no ramo, na produtora Ritmos e Blues. Está por estes dias no controlo de entradas (garante que não há muitos bilhetes falsos) e diz que é importante para a população ver que a organização do Rock in Rio está ali para ajudar o bairro. “Elo de ligação” entre a organização do festival e a população da Bela Vista diz Luís Passuco que a principal crítica dos moradores tem a ver com a falta de estacionamento nos dias de festival. A organização do festival como compensação oferece, contas de Luís Passuco, 1740 bilhetes (é ele um dos que os distribuem) aos moradores. E por causa do barulho também? Apressa-se a responder Manuel Costa: “as vivendas ao pé do aeroporto são caríssimas” e o barulho não incomoda. Manuel levanta-se, volta depois com uma frase na ponta da língua: “Isto traz muita coisa boa ao bairro”. E acrescenta o Fábio: “isto já é como uma família”. E responde o Manuel: “É uma coisa maravilhosa”. E o Fábio: “passado um ano já se sente falta das pessoas”. E o Manuel: “o espírito de equipa é bestial”. Na limpeza, nos bares, nos transportes, há gente do bairro por todo o lado. E, garantem os três, já várias pessoas, por causa do trabalho ali, arranjaram depois outros empregos. Sem falar das tampas de plástico, “que o pessoal recolhe”, para depois contribuir para instituições que precisam, por exemplo, de cadeiras de rodas. É por tudo isto que ali estão, que não se importam, como o Fábio, de trabalhar das nove da manhã às oito da noite, ou mais, se for preciso. E porque “cada ano que passa isto está a ficar melhor”. “Isto” é o bairro. @Lusa

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