Rock in Rio: Na seleção de Katy Perry não houve espaço para a derrota
Se a derrota da seleção nacional frente ao Uruguai, este sábado, deixou muitos adeptos portugueses desolados, Katy Perry não permitiu que houvesse espaço para grandes mágoas no concerto que encerrou o Palco Mundo no último dia do Rock in Rio Lisboa 2018.
“Estamos aqui todos juntos para celebrar a música num sábado à noite”, comentou a norte-americana a meio da atuação, depois de aludir à derrota da “equipa das quinas”. E pelo menos durante cerca de hora e meia, a maioria dos seus espectadores terá conseguido refugiar-se noutro universo que não o futebolístico, a julgar pela adesão a um concerto enérgico que juntou os temas mais populares da cantora. A própria garantiu, aliás, que iria oferecer todas as canções que o público queria ouvir – e ninguém se terá sentido defraudado.
No desfile de êxitos não faltaram “Dark Horse”, “Chained to the Rhythm”, “Hot N Cold” ou “Roar”, sempre apresentados com um dos maiores casos de aparato visual desta edição do Rock in Rio Lisboa. Entre cenários futuristas cruzados com um imaginário lúdico e inocente ou os de uma passarelle vanguardista, divididos por interlúdios a permitir a obrigatória troca de roupa, a atuação foi ainda defendida por uma banda e bailarinos que se moldaram sempre às exigências cénicas e temáticas de cada segmento.
Houve momentos de humor disparatado com a entrada em cena de Left Shark em “California Gurls”, flamingos a dançar em “Teenage Dream” ou uma Katy Perry temperada com sal e pimenta, e pronta a servir, em “Bon Appétit”. “E.T.” propôs combates em cenários inóspitos e interplanetários, as baladas “Wide Awake” e “Into Me You See” apostaram na contenção sem deixarem de contar com a artista em tons prateados e brilhantes num dos vestidos mais excêntricos.
A sucessão de números não impediu que Perry se dirigisse aos espectadores, como quando quis treinar o português, lembrando que um dos seus avós era dos Açores. “I Kissed A Girl” foi o mote para celebrar o Mês do Orgulho Gay, prestes a terminar, e “Firework” teve honras de cereja em cima do bolo.
Veja as imagens dos concertos:
Jessie J, cantora e conselheira
“Sempre que alguém vos disser que são vulneráveis, isso não quer dizer que são fracos; só que são autênticos”, assinalou Jessie J já na reta final do seu concerto, perante um recinto do Palco Mundo particularmente concorrido. E a declaração foi apenas uma de muitas que se centraram na questão do empoderamento feminino, da auto-aceitação ou da luta contra a depressão.
Apelando a “um mundo com mais amor”, a londrina deixou várias palavras encorajadoras aos fãs, boa parte na adolescência ou saídos dela há pouco, enquanto aliou confiança e simpatia durante as canções e entre elas. Canções como “Nobody’s Perfect”, “Stand Up” ou “Who You Are”, cujas palavras terão reconfortado seguidores da artista ao longo dos anos.
“Mas vocês é que salvaram a vossa vida, eu fui apenas a banda sonora”, esclareceu, voltando a recusar ser colocada num pedestal num momento em que se aproximou dos espectadores que se encontravam mais perto do palco. “Podem não magoar o meu braço, por favor?”, cantou de improviso a meio de um tema, em tom de brincadeira, quando cumprimentava os admiradores. “Está tudo bem, eu sou tal como vocês, eu só canto”, disse ainda às primeiras filas de espectadores comovidos. E a comoção aumentou quando abraçou um deles, num dos momentos mais celebrados do concerto.
Entre episódios acústicos midtempo, a leveza pop de “Easy on Me”, a imponência sensual de “Queen” ou a mais robusta “Mamma Knows Best” (dedicada às mães, “que têm o trabalho mais árduo e recompensador do mundo”), Jessie J teve oportunidade de mostrar o alcance da sua voz, entre sussurros e agudos. Além dela, Luke James, apresentado como um dos seus melhores amigos, também deu provas do seu alcance vocal num momento em que interpretou uma canção a solo. A inevitável “Price Tag”, a fechar, selou este regresso à Cidade do Rock e um novo caso de comunhão entre a britânica e os fãs – que terão tido aqui mais um momento de eleição da banda sonora das suas vidas.
Ivete Sangalo: antes do futebol houve Carnaval
“Eu não durmo há exatamente 850 dias e estou me sentindo ótima”, confessou Ivete Sangalo, em tom de bricandeira, a meio do seu regresso (já o oitavo) ao Rock in Rio Lisboa. E pela nova vez a cantora brasileira mostrou-se incansável ao longo de uma atuação na qual cantou e dançou, chegando até a tocar a bateria. Pelo meio encontrou sempre espaço para dirigir algumas palavras ao público, em modo bem humorado e com a descontração habitual.
Acompanhada por uma banda igualmente desenvolta e bamboleante – que incluía sopros ou percussões – e por um grupo de bailarinos capaz de lhe seguir os passos, Ivete Sangalo atuou para a maior enchente de público da tarde no Palco Mundo, imediatamente antes do jogo de Portugal contra o Uruguai. A cantora aproveitou, de resto, para desejar “boa sorte” à seleção portuguesa de futebol e ao “querido amigo” Cristiano Ronaldo. E entretanto deixou o recinto rendido não só à música brasileira, mas também angolana, numa aliança sem quebras de ritmo nem de adesão.
Canções como “Abalou”, “Lavada Louca”, “Beleza Rara”, “No Groove” ou “Eva” já seriam suficientes para fazer valer a atuação junto de muitos espectadores, mas a baiana tinha um trunfo especial guardado.
Ninguém esperava uma surpresa, mas a meio do concerto ela chegou: Daniela Mercury, apelidada de “rainha”, subiu ao Palco Mundo para um dueto. Juntas, as cantoras interpretaram “Canto da Cidade” um dos temas mais conhecidos da convidada. A canção terminou com uma despedida carinhosa: “Eu te amo”, disse Ivete Sangalo. “Ela foi lá na frente e foi trilhando caminho”, acrescentou a cantora depois do dueto, numa homenagem à artista que tem como grande inspiração e referência.
Desabafos sobre o estado do seu corpo depois da maternidade ou sobre as memórias de um Carnaval durante o qual estava grávida também ajudaram a cimentar a química evidente entre artista e público, que não parece ter sido beliscada com o passar dos anos. Também por isso, ninguém terá muitas dúvidas sobre um reencontro com o público português daqui a (no máximo) dois anos…
Os sonhos adolescentes de Hailee Steinfeld
Cantora e atriz, Hailee Steinfeld teve a seu cargo a abertura do Palco Mundo no último dia do Rock in Rio Lisboa 2018, ainda que numa atuação mais curta do que as dos artistas dos dias anteriores. Talvez por isso o seu público, maioritariamente adolescente e feminino, tenha feito questão de aproveitar cada minuto dos cerca de 30 nos quais a norte-americana apresentou o seu EP de estreia, “Haiz” (2015), e singles como “Capital Letters”, “Most Girls”, “Let Me Go” ou “Starving”.
A cantora de 21 anos, que tem assegurado as primeiras partes dos concertos de Katy Perry, surgiu acompanhada de um grupo de bailarinos e apostou numa pop quase sempre dançável, com contornos eletrónicos e refrão capaz de ir disseminando algum alvorço entre os espectadores. A exceção foi uma versão acústica de “Flashlight”, de Jessie J, igualmente bem acolhida e a deixar no ar que um regresso de Steinfeld a palcos nacionais teria uma dose considerável de interessado/as.
Carlão: entretenimento garantido
Um dos vários nomes da música nacional a atuar no Music Valley ao longo do Rock in Rio 2018, Carlão mostrou-se tão eclético como se esperaria num alinhamento que conjugou rock, hip-hop, r&b, soul, dancehall ou ritmos africanos. E conjugou também temas do seu álbum estreia a solo, “Quarenta” (2016), e do EP que se seguiu, “Na Batalha” (2016).
Mas nem só da revisão da material se fez um concerto que teve entre os pontos altos a entrada em palco de Slow J, que o cantor de Almada apresentou como “o irmão mais novo que nem sabia que tinha”, reconhecendo-lhe qualidades artísticas e pessoais. O elogio foi recíproco. “O primeiro festival a que fui foi ao Rock in Rio para ver este senhor”, revelou o jovem rapper setubalense, sublinhando a influência do ex-vocalista dos Da Weasel.
Além de ser convidado em palco, Slow J é um dos colaboradores do próximo álbum de Carlão, “Entretenimento?”, a editar em setembro – Manel Cruz e António Zambujo também fazem parte da lista. E quem esteve no Music Valley ouviu em primeira mão o tema que junta a dupla, “Repetido”, uma das canções mais musculadas e cruas do concerto, inspirada pelo cansaço da rotina. Ironicamente, a estreia só correu bem à segunda tentativa, uma vez que Carlão interrompeu a primeira passados alguns segundos para garantir que o resultado seria o melhor.
Esse imprevisto não comprometeu um dos momentos mais aplaudidos de uma atuação durante a qual Carlão se dirigiu várias vezes ao público. “Estou a tentar deixar de fumar de novo e está a ser uma luta”, desabafou antes de “Uma Vez É Demais”, canção que, realçou, é sobre um vício que não o tabaco. Mostrou-se pouco à vontade com os agradecimentos exarcebados de alguns artistas ao vivo, mesmo que assuma cair nos mesmos clichés – ninguém pareceu ter ficado incomodado – e dedicou descreveu “Colarinho Branco” como uma canção de amor (envenenada com sarcamo) a alguma classe política, criticando em particular José Sócrates ou as operações que envolveram grande bancos em crise.
Para o final, guardou “Os Tais”, que é sempre sinónimo de sucesso garantido junto do público e resultou num dos episódios mais contagiantes. O balanço dançável manteve-se com a “homenagem a duas bandas que já acabaram”: “Dialetos da Ternura”, dos Da Weasel, na versão mais sincopada dos Buraka Som Sistema. E quando assim nem é preciso esperar pelo segundo álbum para o entretenimento estar garantido…